Professores e alunos do Centro de Excelência de judô de São Bernardo do Campo © FPJCom
Em 31 de agosto de 2021, o governador do Estado de São Paulo João Dória entregou o novo dojô e inaugurou o Centro de Excelência Esportiva, localizado na Arena Olímpica, em São Bernardo do Campo. O principal objetivo do projeto é ser um celeiro de talentos para jovens atletas do judô e do atletismo, com investimento de R$ 5,4 milhões.
Com oito áreas e um grande espaço privativo, o equipamento dispõe de alojamento, ginásio, local para refeições, pista de atletismo, academia de musculação, sala de fisioterapia e centro médico, tudo isso para garantir que os jovens atletas tenham a melhor infraestrutura possível para realizar seu preparo, iniciado em 1º de dezembro.
A prefeitura de São Bernardo do Campo, por intermédio do secretário de esportes Alex Mognon, deixa à disposição do Centro de Excelência uma equipe multidisciplinar para dar suporte a todas as atividades, desde a limpeza até a segurança do recinto. Psicólogas que fazem um trabalho especial para adaptar os jovens talentos, e o projeto prevê a colaboração e o engajamento do poder público com as famílias e técnicos.
Em setembro foram selecionados 40 jovens atletas para compor o sistema de residentes da moradia interna do Centro de Excelência. Outros 30 judocas integram o projeto como não-residentes, ou seja, treinando durante o dia na mesma estrutura, mas retornando a seus lares à noite. Tudo isso foi pensado para favorecer a região do ABCD como um todo.
A rotina de treinamentos organizada pelos técnicos é pesada: cerca de três a quatro treinos por dia, ou seja, do dia 1º ao dia 16 de dezembro foram realizadas 43 sessões, cada uma variando de uma hora e meia a duas horas. O volume é alto e há um acompanhamento físico e técnico minucioso, para observação de evolução e possíveis lesões, alinhando o trabalho do corpo com o trabalho da mente desses atletas. A avaliação psicológica, sempre importante, ganhou atenção especial no período de pandemia, para que os jovens não desistam do processo.
Há uma busca constante para resgatar o judô de fundamentos junto com a inovação, trazendo adaptações do judô europeu e as melhores utilizações da luta de solo. Todos os técnicos mantêm ligação muito forte com o Japão e, consequentemente, o ensino se fundamenta 100% na escola japonesa.
Hatiro Ogawa é neto do professor Ryuzo Ogawa, precursor do judô no Brasil; além de possuir dezenas de títulos internacionais, Vânia Ishii é filha do primeiro medalhista olímpico do judô no Brasil, Chiaki Ishii; Henrique Guimarães foi medalhista olímpico de bronze (65kg) em Atlanta 1996; Daniele Yuri morou e se aperfeiçoou no Japão; Marcelo Fuzita defendeu a seleção e também treinou no Japão quando criança; Marco Antônio da Costa, o Rato, integrou a seleção brasileira e participa do Projeto Futuro desde a sua criação, em 1986; Elton Fiebig também estudou no Japão por quatro anos.
“O Centro de Excelência, hoje, resgata o Projeto Futuro e dá continuidade ao processo implantado no passado que já deu muito certo e se constitui numa das únicas iniciativas esportivas do Brasil que realmente deixaram um legado para o País. Agradecemos profundamente à Secretaria de Esporte de São Bernardo do Campo, à Secretaria de Esporte do Estado de São Paulo e à FPJudô por nos proporcionarem a possibilidade de dar continuidade a isso”, disse Elton Fiebig. Ele é filiado à federação pela Associação de Judô Vila Sônia e, aos 49 anos, é go-dan (5º dan), já teve passagens pelas seleções de base e adulta, atuando como veterano e competindo internacionalmente. Foi atleta do Projeto Futuro no Ibirapuera entre 1988 e 1989, retornando em 1994 e permanecendo até 2004.
O Projeto Futuro teve seu início em 1986 graças à iniciativa do então medalhista de bronze em Los Angeles (1984) Walter Carmona. Ele foi convidado pelo secretário de Esportes de São Paulo, na época, a implementar um programa que pudesse formar atletas para o alto rendimento, com oportunidade de representar o Brasil nas Olimpíadas.
Na primeira fase do projeto, os treinamentos eram realizados no ginásio do Ibirapuera e os atletas moravam embaixo das arquibancadas. O espaço era reduzido, com apenas duas áreas de luta e capacidade para atender 28 atletas selecionados. Auxiliaram o Projeto Futuro os professores Walter Carmona, Luiz Juniti Shinohara, Mário Tsutsui, Floriano de Almeida, Marcelo Mozzilli, Roberto Yanaguimori, Mário Endo e, como referência, os atletas Aurélio Miguel, João Brigante e o medalhista de bronze (-71kg) de Los Angeles 1984, Luiz Onmura.
Os resultados começaram a aparecer rapidamente, logo nos primeiros anos de projeto. No sistema de confinamento em que residiam, treinavam e estudavam, os atletas conseguiam vivenciar treinamentos intensivos. Em 1987, diversos judocas do Projeto Futuro integraram a seleção de juniores e juvenis do Campeonato Pan-Americano, no México. Em 1988, no campeonato mundial estudantil, de sete categorias o projeto conseguiu colocar seis atletas – o que chamou muita atenção para o judô paulista.
“A presença desses atletas da seleção principal da época, aliada à juventude e à vontade dos jovens, foi um grande diferencial no judô nacional. E a medalha de ouro (-95kg) das Olimpíadas de 1988, com Aurélio Miguel, foi edificada, em parte, dentro do Projeto Futuro, já que em 1987 ele havia conquistado medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis e o bronze no mundial da Alemanha, em Essen. Ele serviu como incentivo para todos os atletas que estavam lado a lado com ele, foi uma época de muita evolução para todos”, explicou Fiebig.
No Campeonato Pan-Americano Juvenil de 1991, a participação de atletas provenientes do Projeto Futuro foi ainda maior, segundo Fiebig, e em 1992 ele próprio conquistou o bronze no campeonato mundial – a primeira medalha em nível global. A partir de 1993, a seleção brasileira já contava com a participação de integrantes do projeto, como o Rato, Carlos Anderson Bortole e Edelmar Zanol. Nas seleções de base, a cada ano o número de judocas do projeto aumentava.
Toda a preparação das seleções nacionais, do período de 1992 a 1996, foi feita na sede do Projeto Futuro. Foi nessa época que houve maior aproximação entre a FPJudô e o projeto, por meio do professor Francisco de Carvalho Silva, o Chico, e o diretor da entidade na época, José Roberto Canassa. Foi um período de ascensão do judô paulista. Em 1997, começou um programa feminino.
“Em 1998, das sete categorias do masculino, quatro eram de atletas do Projeto Futuro, e no feminino, três. Praticamente metade das seleções nacionais era composta por atletas do nosso projeto. Um dos técnicos da seleção na época, Floriano de Almeida, esteve presente acompanhando esses atletas no mundial da Colômbia, em Cali”, lembrou Fiebig.
No final de 1998, o professor Floriano foi convidado para integrar a comissão técnica do Minas Tênis Clube e o Projeto Futuro precisou buscar uma solução rápida, ainda mais porque o projeto contava com pouco apoio financeiro. A resposta do secretário da época, professor Pereira, foi integrar atletas que já tinham feito parte da organização à comissão técnica. Portanto, foi sob o comando de Alexandre Garcia e Elton Fiebig que se iniciou um novo capítulo na história do Projeto Futuro.
“Os professores eram referência porque treinavam junto com os alunos, mostravam as técnicas e vivenciavam tudo de perto no dia a dia do aprendizado; a proximidade com os atletas e técnicos era essencial para os jovens que viriam a se tornar campeões. Os mais velhos orientavam os jovens para evitarem lesões, por exemplo, pela falta de experiência em viagens internacionais. Isso foi fundamental para a consolidação do grupo e construção de resultado”, prosseguiu Fiebig.
Sob o comando de Alexandre Garcia, Elton Fiebig e Jaime Bragança na preparação física, em 2002 o Projeto Futuro classificou nove atletas para o Campeonato Mundial em Seul. Três medalhas foram conquistadas: uma de ouro e duas de bronze. Foi um período de muita representatividade para o judô nacional. E, o principal, a federação estava sempre alinhada e acompanhando o processo. Os recursos eram escassos porque advinham da Secretaria de Esportes, mas a federação sempre buscou a manter o local em pleno funcionamento. Os dirigentes entendiam a importância do projeto para o crescimento do judô do Brasil.
No ano de 2004 houve nova mudança no comando, com o professor Hatiro Ogawa. A iniciativa contava com apoio pleno da FPJudô e da Secretaria de Esportes para que o local fosse transformado, efetivamente, num Centro de Excelência: a Arena Olímpica de Ibirapuera. Na época, foram levados ao projeto atletas que viriam a conquistar medalhas olímpicas. Foi o caso de Rafael Silva, o Baby, e Felipe Kitadai, que integraram a seleção masculina. O acesso dos atletas à seleção foi facilitado pelo apoio do governo e da federação, além de patrocinadores e clubes que num período de seis anos foram responsáveis por numerosas conquistas.
Em meados de 2013, Hatiro foi para o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa e o professor Henrique Guimarães, que era o coordenador do Centro Olímpico, passou a presidir o Projeto Futuro. Houve uma sequência de trabalhos bem consolidados para manter os bons resultados, o que ocorreu até antes do início da pandemia.
Desde 2018 o Projeto Futuro enfrentava problemas de apoio financeiro e político e, por causa disso, houve uma grande mobilização de atletas, professores e pessoas que conheceram o legado do Centro de Excelência do Projeto Futuro para resgatar as raízes da iniciativa.
Por causa do início da pandemia do coronavírus, em 2020, todos os recursos que proviam o Projeto Futuro foram cortados. Os atletas retornaram a seus lares e as atividades foram suspensas até segunda ordem. Nesse momento o judô paulista sentiu uma grande perda, tanto em relação ao espaço quanto pela falta de emprego para os técnicos. “Foi um momento de muita apreensão, mas, por trás disso, o professor Chico estava brigando pela manutenção do Centro de Excelência com o apoio do Alessandro Puglia, que já conhecia a Arena Olímpica de São Bernardo do Campo”, revelou Fiebig.
A partir daquele momento, ambos – Chico e Puglia – iniciaram conversas com a Secretaria Estadual de Esportes para que o Centro de Excelência de Ibirapuera fosse transferido para São Bernardo do Campo. Fiebig lembra que foi um esforço conjunto para que o Projeto Futuro, tão vitorioso e consolidado, não acabasse. Após o falecimento triste e inesperado de Chico, durante o ano de 2021, Puglia foi responsável por dar continuidade às conversas, batalhando incessantemente para revitalizar o projeto em outro local.
Formou-se, então, uma comissão técnica. Henrique Guimarães assumiu como coordenador geral; Hatiro Ogawa, como coordenador socioeducativo, para fazer a conexão entre pais e o setor de convívio dos atletas; Elton Fiebig tornou-se o gestor da comissão técnica e os técnicos escolhidos para completar o grupo foram o Rato e Marcelo Fuzita, para a equipe masculina, e Vânia Ishii e Daniele Yuri Barbosa para a equipe feminina.
“Com este time vitorioso iniciamos a nova etapa de um projeto que certamente reconduzirá São Paulo ao topo dos pódios nacionais e internacionais. Agora é questão de tempo e trabalhar duro”, projetou Fiebig.
Além da equipe, escolhida a dedo, a parceria de São Bernardo dom a FPJudô prevê a criação de diversos projetos sociais para atender às crianças da vizinhança, onde duas escolas públicas recebem cerca de 5 mil alunos. O objetivo é proporcionar a eles acesso ao mundo do judô, usando a estrutura do Centro de Excelência para que a região seja um celeiro de futuros talentos.
Após a seleção dos atletas residentes, em setembro, os pais dos judocas pediram que as atividades recomeçassem em dezembro, tendo em vista o momento mais tranquilo da pandemia e as férias escolares. Organizou-se então uma força-tarefa para viabilizar a volta do projeto.
“É muito gratificante nós, da comissão técnica, reiniciarmos as atividades depois de uma grande parada por conta da pandemia e também fazê-lo no novo centro de excelência, altamente capacitado e reformado, com todas as condições para o atleta treinar. A minha expectativa é que possamos atingir o alto nível, como sempre, extraindo dos jovens o máximo em alta performance”, disse Henrique Guimarães, coordenador geral do Centro de Excelência de São Bernardo do Campo.
A rotina atual é extremamente puxada, com quatro treinamentos diários divididos entre os professores, que começam às 6 horas, com peso e corrida, e continuam às 10 horas, com treinamento técnico na luta em pé e no solo. Às 15 horas há um treinamento técnico específico, com atividades de intensidade focando na competição, e às 19h30 são realizadas as lutas propriamente ditas.
Para Daniele Yuri Barbosa, técnica de judô no Centro de Excelência, a expectativa para os jovens atletas é enorme. “Em menos de 20 dias, o desenvolvimento técnico deles foi imenso. Mesmo com a pausa causada pela pandemia, que prejudicou a parte física, a evolução foi muito boa. Então, imagine isso a médio e longo prazos. Nós estamos fazendo um trabalho muito intenso, física e psicologicamente. Não tenho dúvidas de que, no final de 2022, nas seletivas, estaremos presentes em peso. Nós da equipe técnica estamos muito unidos e focados, trabalhando em prol do desenvolvimento técnico do nosso esporte. Vamos trazer muita felicidade para o judô de São Paulo.”
Marco Antônio da Costa, o Rato, também revelou suas expectativas. Ele é yon-dan (4º dan) e integrou a seleção brasileira de base e adulta, tendo começado na modalidade aos 9 anos na lendária Associação Hirakawa de Judô. Desde 2012 exerce a função de técnico da cidade de Santos e da Associação Rogério Sampaio de Judô. “É uma honra muito grande fazer parte da comissão técnica e a expectativa é muito grande para trabalhar bastante com esses atletas empenhados”, disse.
“É um caminho a ser trilhado, e não é fácil, mas os jovens que estão aqui têm muito talento e muita vontade, que é o que nós buscamos – esse sacrifício em prol do judô, ter um sonho de chegar ao topo, de ter conquistas como as dos grandes nomes que passaram pelo nosso projeto. Tenho certeza de que, com a nossa comissão técnica nós brigaremos para que o judô de São Paulo e do Brasil evolua, junto com todos os outros clubes do nosso País.”
Para a temporada de 2022, foram feitas algumas adaptações no projeto, além da troca de local. Muitos atletas que treinavam no Ibirapuera mantiveram-se em atividade. Procurou-se, ainda, incluir atletas mais novos para que o tempo de preparação fosse maior. Ao adotar no projeto um judoca de 15 anos, por exemplo, é possível desenvolver sua técnica e seu físico até os 21 anos, o que representa uma evolução muito grande do ponto de vista do esporte.
O grupo não está completo no momento por conta do período final de ano letivo, mas o centro já abriga 30 atletas residentes e 10 não-residentes, o que é motivo de grande satisfação para a diretoria. São atletas com vontade de evoluir, crescer, e que recebem o apoio da família para evoluir tecnicamente e atingir a melhor prática do judô.
Kaio Henrique Araújo, que integra o Centro de Excelência desde 2018, é faixa preta sho-dan (1º dan), natural de Poços de Caldas e foi terceiro colocado no Brasileiro Regional. “Desde que cheguei a São Bernardo do Campo eu senti muita diferença, principalmente na parte da organização, que está muito melhor. Viemos para cá com outra energia, e trabalhamos com outro olhar, principalmente da parte dos senseis. Espero melhorar bastante, começando pela Copa São Paulo, porque os treinos estão muito intensos e com muito volume. Só tenho a agradecer a todos por tanto apoio.”
Bruno Rafael Lima Nóbrega (-60kg), de 15 anos e natural de Mogi das Cruzes, tem como maior título da promissora carreira o Campeonato Pan-Americano Júnior, em que foi medalhista de ouro. “Vim para o Centro de Excelência em busca de crescimento, pois sei que aqui temos técnicos maravilhosos, uma estrutura incrível e pessoas que buscam as mesmas coisas que eu: aperfeiçoamento de golpe, melhora do condicionamento físico e crescimento no judô, pois meu objetivo no futuro é ser um dos melhores do mundo.”
Ana Clara Rissatto Grigolon, de 19 anos, já ostenta uma carreira muito consistente na modalidade. Em 2017 foi campeã regional e estadual (feito que se repetiu em 2018), campeã dos Jogos Regionais (-63kg) e em 2019 foi campeã estadual sub 18 e sub 21. Ela é veterana no Centro de Excelência Esportiva, integrando-o desde 2019. “Em apenas 16 dias, notamos uma evolução individual imensa, por conta da força e intensidade dos treinos. Com todo o auxílio, esperamos estar nos lugares mais altos dos rankings das competições mais importantes. É para isso que estamos treinando tanto, graças aos nossos senseis, que nos ajudam imensamente.”
Para Carolina Caldas Lima, sho-dan (1º dan) aos 17 anos e natural de São José dos Campos, depois desse período conturbado da pandemia tem sido essencial a oportunidade de integrar o Centro de Excelência. “Minha preparação, especialmente para 2022, já começou agora em dezembro com técnicos incríveis, que têm feito muita diferença e auxiliado a alcançar os meus sonhos, desde a seleção de base até a principal, além de me ajudarem no aperfeiçoamento de técnicas e no fortalecimento do meu respeito ao judô.” Ela foi campeã da seletiva nacional em 2018.
Confira a lista dos judocas que participam do projeto do Centro de Excelência de São Bernardo do Campo.
O Centro de Excelência em Judô de São Bernardo do Campo está de portas abertas para todos aqueles que quiserem participar, desde que tenham graduação acima da faixa roxa e idade mínima de 15 anos. Os treinos vão até o dia 22 de dezembro e serão retomados no dia 3 de janeiro. O prefeito Orlando Morando, o secretário Alex Mognon e o governador João Dória tiveram papel preponderante para levar o projeto para a cidade.