O ENAC marca o início da descentralização da discussão Educação Física em nível nacional © Global Sports
O Encontro Nacional dos Conselhos de Educação Física (ENAC), realizado pelo Conselho Regional de Educação Física da 4ª Região (CREF4/SP) nos dias 25 e 26 de novembro no Nikkey Palace Hotel, na capital paulista, reuniu dirigentes da Educação Física de vários Estados e autoridades políticas para discutir assuntos importantes para a profissão. Entre outros, foram abordados temas como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no exercício e na fiscalização da profissão, a resolução sobre suplementos alimentares, o projeto sobre ensino do judô, o uso de canabinoides por atletas e a prática de conciliações na Justiça.
Nelson Leme, presidente do CREF4/SP, destacou que o encontro proporcionou uma integração do sistema ao descentralizar a discussão em nível nacional e levá-la aos conselhos regionais. “Tiramos daqui propostas que serão encaminhadas ao Conselho Federal de Educação Física e, mais do que isso, é muito importante dizer que ninguém é inimigo do Sistema CONFEF/CREF. Somos todos conselhos regionais vinculados a ele, e o nosso objetivo maior é valorizar e dar protagonismo ao profissional de Educação Física.”
Ele elogiou o trabalho árduo executado nos dois dias do encontro, “que foi feito com muito carinho, pela Educação Física e para a Educação Física”. E lembrou que o CREF4/SP conta com mais de 80 profissionais delegados espalhados por todo o Estado de São Paulo. “Esta inciativa teve como objetivo aproximar, cada vez mais, o conselho dos seus registrados, dando acesso a eles visando à excelência em atendimento e prestação de serviço.”
“Nosso objetivo maior é valorizar e dar protagonismo ao Profissional de Educação Física.”
Leme ressaltou também que a Educação Física está cada dia mais forte e atuante nos 645 municípios paulistas, distribuídos em 42 regiões de governo, 14 regiões administrativas e três áreas metropolitanas. E concluiu: “Contamos com o apoio e a participação de todos os nossos profissionais; afinal, somos nós revolucionando a profissão!”
Um dos pontos mais relevantes do ENAC 2022 foi a palestra de Gabriela Manssur, da Comissão Especial da Mulher do CREF4/SP, sobre o código de compliance feminino e o mercado de trabalho, abordando integração vs. resolução de conflitos.
Formada em direito pela PUC/SP, Gabriela ingressou em segundo lugar no Ministério Público, no qual atuou como promotora de Justiça de 2003 a 2022. Com mais de 20 anos de trabalhos dedicados à defesa dos direitos da mulher, ela é uma das vozes mais atuantes deste tema no Brasil e presidente dos projetos Justiceiras e Justiça de Saia.
Segundo a palestrante, a cultura do compliance traduz relações que buscam, por meio de maior integridade e transparência, um maior nível de igualdade entre as pessoas, no qual “é necessária a discussão sobre a desigualdade de direitos milenar entre homens e mulheres”.
O tema integração vs. resolução de conflitos focou o crescimento do número de mulheres em cargos de liderança nas empresas e a capacidade delas de dirigir um olhar diferenciado para a resolução de conflitos inerentes ao mundo corporativo.
O professor doutor Alexandre Janotta Drigo, coordenador científico, e o mestre em Educação Física Fernando Ikeda Tagusari, coordenador executivo, ambos da Federação Paulista de Judô (FPJudô), apresentaram o Keisei no Michi. Trata-se de um projeto inovador desenvolvido pela federação em parceria com o CREF4/SP, cujo objetivo é a formação de técnicos e professores de judô, estimulando o ingresso de futuros faixas-pretas na carreira profissional em Educação Física ou esportes.
Os palestrantes mostraram a estrutura geral do projeto Keisei no Michi, ou seja, o processo pedagógico, o escopo dos grandes temas que estão sendo ministrados (sequência ao núcleo básico) e, principalmente, a aplicação bem sucedida pela FPJudô, desde o desenvolvimento da plataforma EAD até a quantidade de alunos em busca do grau de instrutor.
Idealizador do projeto Keisei No Michi, o professor Drigo o considera o início de um processo de formação e capacitação de instrutores, professores e técnicos de judô para melhorar os serviços prestados à sociedade. “O curso é extremamente original, pois busca iniciar a preparação dos judocas durante o ensino médio, estimulando-os a buscarem formação em Educação Física e, paralelamente, subsidiando os estudos para direcioná-los à construção da carreira profissional focada no esporte e no judô. Diferente dos cursos de formação em esportes, geralmente voltados à educação continuada, o Keisei No Michi acompanha os alunos desde a formação inicial”, explicou.
O professor Drigo também comentou o ENAC 2022. “Fui conselheiro do Sistema CONFEF/CREFs nas duas instâncias, a estadual (CREF4/SP) e a federal, e por isso considero esse encontro uma excelente oportunidade para a troca de informações e experiências, além de contribuir para melhoria do sistema. Nesse sentido, as discussões sobre ética, maior participação feminina e das pessoas com deficiência foram temas pertinentes e que precisam avançar.”
Fernando Ikeda lembrou os dois os momentos em que a Federação Paulista de Judô teve a oportunidade de apresentar o projeto para a diretoria do CREF4/SP.
“No primeiro encontro, o projeto estava em seu estágio inicial, já no segundo pudemos apresentar a concretização do projeto. O contraste destes dois encontros mostra que o Keisei No Michi superou as expectativas, tanto em números quanto em feedbacks positivos.” Apesar do sucesso obtivido com a iniciativa, a coordenação do projeto realizou uma análise crítica para verificar os pontos que podem ser melhorados.
Após o evento Ikeda pontuou que apresentar o projeto no ENAC permitiu mostrar aos representantes dos CREFs de outros Estados dois pontos relevantes: a possibilidade de formação estruturada e robusta dos profissionais, especificamente no judô, e a importância de ações conjuntas entre a FPJudô e o CREF4/SP, o que fortalece ambas as entidades.
“Ao final da apresentação, diversos dirigentes de conselhos regionais de educação física de outros Estados se mostraram interessados em implantar o projeto Keisei No Michi”, informou Ikeda. “E avaliamos esse interesse como novo patamar na relação da Federação Paulista de Judô com o Conselho de Regional de Educação Física da 4ª Região.”
Outra palestra de enorme importância, apresentada pelo advogado Victor Roncatto Piovezan, abordou os aspectos relevantes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no exercício e na fiscalização da profissão.
A Lei № 13.709/2018 foi promulgada para proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo. Fala sobre o tratamento de dados pessoais, dispostos em meio físico ou digital, feito por pessoa física ou jurídica de direito público ou privado, englobando amplo conjunto de operações que podem ocorrer em meios manuais ou digitais.
A palestra sobre o impacto da resolução CREF4/SP № 151/2022 no mercado de trabalho foi apresentada pelo professor Ailton Mendes da Silva, presidente da Associação Brasileira de Academias (ACAD Brasil) e pelo professor doutor Turíbio Leite de Barros Neto, CEO da Physio Science LLC/USA, fundador e chefe do setor de Medicina Esportiva da Unifesp, além de fundador e chefe do setor de fisiologia do SPFC por 25 anos e fisiologista da seleção brasileira de futebol de 1991 a 1994.
A resolução CREF4/SP № 151/2022, regulamenta a atuação da categoria no aconselhamento, informação e esclarecimento sobre suplementos alimentares exclusivamente relacionados ao exercício físico.
Esses produtos suplementares à alimentação de indivíduos saudáveis, segundo a Anvisa, não são considerados fármacos, estando disponíveis para livre comercialização em supermercados, lojas e farmácias sem necessidade de receita. Em outras palavras, são acessíveis a qualquer pessoa, mesmo sem recomendação de profissionais da área da saúde.
Diante dessa realidade – e considerando que o Profissional de Educação Física é reconhecido como profissional da área da saúde desde 1997 – o CREF4/SP determinou que o uso dos suplementos alimentares voltados à prática do exercício físico seja precedido de uma análise técnica, trazendo segurança jurídica à atuação do Profissional de Educação Física e reconhecendo suas habilidades e competências.
A Resolução CREF4/SP № 151/2022, além de tratar da atuação do Profissional de Educação Física em relação aos suplementos alimentares, cuidou de estabelecer severa regulamentação contra a orientação de produtos cuja fórmula contenha fármacos e a vedação de prescrição de dietas e planos alimentares.
“O CREF4/SP segue austero na defesa das competências dos Profissionais de Educação Física, trazendo segurança jurídica para atuação profissional e garantindo à sociedade a prestação de serviços de qualidade, com informações técnicas prestadas por profissionais habilitados e éticos”, reforçaram os palestrantes.
Para discutir a relevante tendência de uso de canabinoides por atletas, Raul Thaeme, delegado do CREF4/SP, convidou para o ENAC o médico ortopedista e adepto da medicina integrativa José Wilson Andrade, a atleta Giovanna Ferrarezi, da seleção brasileira de salto com vara, e os atletas Tomas Levy, da seleção brasileira de remo, e Vinícios Rodrigues, recordista mundial dos 100m paralímpico – todos utilizam e incentivam o uso do canabidiol.
José Wilson Andrade lembrou que o importante marco no uso de cannabis para fins medicinais ocorreu em 2018, com a retirada do canabidiol (CBD) da lista de substâncias consideradas doping para a prática de esportes pela Agência Mundial Antidopagem (WADA). Desde então, o consumo de cannabis rico em CBD vem aumentando expressivamente, principalmente nos Estados Unidos, entre atletas profissionais, que optam por essa substância em substituição a medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios farmacêuticos que apresentam numerosos efeitos colaterais.
“Os atletas utilizam o canabidiol para tratamento de inflamações e de dores musculares, embora ainda não exista consenso entre profissionais do esporte e da saúde, na medida em que cada canabinoide tem um efeito diferente, sem falar de todo o preconceito que envolve a planta.” Enquanto alguns apoiam a liberação da droga, outros questionam a mensagem que um órgão esportivo pode passar ao público ao liberar seu uso.
No Brasil, enquanto a RDC 327 do Ministério da Saúde considera o CBD (canabidiol) um medicamento, outros países o tratam como suplemento alimentar. O projeto de lei 399/2015 em tramitação na Câmara dos Deputados propõe a legalização do cultivo da planta para uso medicinal e industrial, incluindo os setores de celulose e têxtil.
A palestra sobre conciliação na Justiça Federal foi apresentada pela juíza federal Audrey Gasparini, que dissertou sobre inadimplência e a lentidão do processo judicial. As consequências onerosas e negativas dos processos judiciais e as alternativas criadas para facilitar o reingresso do Profissional de Educação Física inadimplente em suas atividades foram as ocorrências destacadas.
A palestra sobre a Lei Federal № 14.386/2022, que dispõe sobre a regulamentação da profissão de Educação Física e cria os conselhos federal e regionais de Educação Física, foi conduzida por Angelo Luís de Souza Vargas, doutor em Educação Física e em Ciência da Moticidade Humana, além de pós-doutor em ciência do desporto e em sociologia.
O conselheiro do CONFEF falou sobre os impactos nos processos éticos e sobre provisionamentos e cursos técnicos no tocante ao registro profissional.
“O evento nos proporcionou uma oportunidade ímpar de discorrer sobre os misteres da vigilância, da educação e da coercibilidade dos imperativos éticos-profissionais. Neste cenário, os membros da extinta Comissão de Ética Profissional (CEP) do CONFEF, discorreram sobre as funções administrativas da Câmara de Julgamento. Importa referir que, tal figura administrativa do sistema em tela vem contemplar os mandamentos da Lei e, as normas administrativas do CONFEF. É importante destacar que a intervenção durante o evento visou, sobretudo, desmistificar o ‘desmembramento’ da CEP. Restou inequívoco que a Lei nova não diluiu a constituição e, tampouco, o poder circunscricional da CEP; muito pelo contrário, fez imperiosamente preservar as funções de recepção, instrução, relatório e julgamento da CEP. Não obstante, a Câmara de Ética foi dimensionada tendo como função precípua o desenvolvimento de estratégias interventivas educativas no sentido de divulgar os valores morais no universo técnico-laborativo da Educação Física.”
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