Wagner Tadashi Uchida e Roger Tsuyoshi Uchida da Associação de Judô Alto da Lapa, campeões do katame-no-kata da classe yudan masculino © FPJCOM
Segundo o shihan Jigoro Kano, os katas do judô são o conjunto das técnicas fundamentais, um método de estudo especial, para transmitir a técnica, o espírito e a finalidade do judô. O kata é a estética do judô, sem o qual é impossível compreender seu alcance. O kata oferece ao randori os fundamentos de cada técnica.
O kata foi desenvolvido com o propósito de ensinar os aspectos básicos das técnicas do judô e sua etiqueta apropriada. É por meio dos katas que o uke e o tori podem trabalhar juntos a melhora da fluência e dos movimentos do judoca.
Numa visão mais ampla, o professor kodansha e mestre Odair Borges explica que o kata é uma expressão do espírito japonês intimamente ligada às realizações artísticas desse povo. É praticamente seu “idioma de forma”. O kata toca quase tudo nas atividades diárias de uma pessoa, como a escrita, arquitetura, comportamentos, atitude e etiqueta, incluindo a arte. Numa análise mais aprofundada, esses padrões pré-estabelecidos de realizar as atividades acabam por ser um método eficiente de transmissão de conhecimento através de um caminho (do) já conhecido, levando a um aprendizado natural de determinados princípios.
Diferentemente do que ocorre nas competições de shiai, nas quais a torcida vibra, grita e torce freneticamente, tanto a prática quanto a disputa do kata demandam ambiente calmo, poder de concentração e intimismo.
Sensível a estas diferenças que balizam a prática do kata, a coordenação técnica da Federação Paulista de Judô (FPJudô) decidiu realizar de forma experimental o Campeonato Paulista de Kata 2022 em novo formato. Mas, com base na experiência positiva do fim de semana passado, o presidente Alessandro Puglia determinou que a partir de agora as disputas de kata sejam realizadas sempre de forma isolada.
“Nossa coordenação técnica havia sugerido apenas uma experiência, mas, devido ao sucesso alcançado, já decidimos que daqui por diante manteremos este formato, visando a fomentar e ampliar a penetração de uma disputa que a cada dia cresce e prolifera, inclusive nas categorias de base, o que indubitavelmente agrega enorme qualidade técnica ao nossos filiados”, justificou Puglia.
O dirigente detalhou que o novo formato da disputa reflete uma nova visão da FPJudô que vai ao encontro das prioridades e especificidades do kata. “Tanto a prática quando a disputa do kata requerem um evento próprio, e hoje nós temos o Centro de Excelência Esportiva do Judô de São Bernardo do Campo, um espaço que é nosso e que condiz exatamente com aquilo que precisamos para realizar um certame de kata de alto nível.”
O presidente da FPJudô adiantou que as coordenações técnica e de cursos já estão adotando os novos critérios de avaliação das provas de kata implementados pela Federação Internacional de Judô (FIJ). “As equipes comandadas pelos professores Luís Alberto dos Santos e Marco Aurélio Uchida realizam a adequação do sistema de contagem dos pontos, de acordo com aquilo que já é feito pela federação internacional. Nós utilizamos uma das áreas do certame para fazer os ajustes no sistema que será adotado a partir de 2023.
Marco Aurélio Uchida, coordenador técnico da FPJudô, explicou que a meta é agregar qualidade a todos os eventos do calendário esportivo. “Este ano fizemos esta inovação. Foi a primeira vez que realizamos a disputa do kata separada e tivemos excelentes feedbacks; várias pessoas gostaram desse novo formato e o elogiaram. Além de oferecer exclusividade, nosso propósito foi agregar qualidade ao evento. Ainda não tive oportunidade de conversar com os professores, mas aparentemente deu certo, pois todos com quem falei aprovaram o novo formato. Progressivamente estamos adotando inovações na maioria dos campeonatos. Isso vale para o paulista de veteranos e os próximos paulistas sub 18, sub 21e sênior. Outra prioridade da nossa gestão é agregar qualidade a nossas disputas”, disse o dirigente.
A cerimônia de abertura do Campeonato Paulista de Kata 2022 contou com a presença dos vice-presidentes da FPJudô Joji Roberto Kimura e Sérgio Barrocas Lex; Luís Alberto dos Santos, coordenador de cursos da FPJudô; Adib Bittar Júnior, coordenador financeiro; Akira Hanawa, delegado regional da 14ª Delegacia Vale do Ribeira; e os professores kodanshas Michiharo Sogabe, Kenzo Matsuura, Fernando Cruz, Leandro Alves Pereira, Antônio Roberto Coimbra, Orlando Sator e Wagner Antônio Vettorazzi.
Na avaliação do sensei Antônio Roberto Coimbra, a decisão da FPJudô foi excelente. “Aliás, todos acharam e, diga-se de passagem, a gente fica mais à vontade, o ginásio bem mais silencioso, e a concentração que o kata demanda é de fato respeitada. Então isso foi muito bom, até mesmo para o shiai máster. Eu já competi nas duas categorias e acho que também será excelente para a disputa se o máster se realizar de forma solo, porque a moçada tem outro comportamento, outro comprometimento e outro entendimento. Então, avalio que a nova forma foi nota 10”, disse o sensei joseense.
Além de professor faixa-preta go-dan (5º dan), o sensei Sidney Massayuki Fukayama defende a ADC Embraer de São José dos Campos e foi um dos professores que elogiaram o novo formato da disputa.
“Eu vejo esta mudança com excelentes olhos e acho que é uma oportunidade tremenda para divulgarmos ainda mais o kata que, lamentavelmente, até mesmo no ambiente do judô não é muito difundido. Algumas pessoas mostram claramente que têm algum tipo de preconceito com relação ao kata. Faço parte da nova geração de professores e mesmo assim estou competindo. Sou atleta da seleção brasileira de kata e já há alguns anos comecei a montar a minha própria equipe na ADC Embraer. Antes eu integrava a equipe de kata de São José dos Campos e acabei montando a minha própria equipe e a fazer treinamentos constantes. Todos nós do clube estamos obtendo enorme ganho técnico.”
Fukayama avalia que, de forma geral, a prática do kata está adquirindo proporções cada vez maiores graças aos professores que a introduziram no Brasil e iniciaram seu processo de disseminação.
“Nomes como Yoshio Kihara e seus discípulos Mário Katsumi Matsuda e Miguel Suganuma, que formaram a primeira e a segunda gerações e fizeram a estrada que depois foi trilhada por Luís Alberto dos Santos, Rioiti Uchida e outros, formando a terceira geração. Composta por centenas de praticantes em vários Estados, a quarta e atual geração é muito bem representada pelos bicampeões mundiais de nage-no-kata Wagner Uchida e Paulo Roberto Ferreira. Eu acho que é nossa responsabilidade manter o legado destes professores e de outros senseis, como o kodansha kyuu-dan (9º dan) Michiharu Sogabe, que também construiu algo nesse sentido em São José dos Campos. Temos este dever e esta responsabilidade, e tenho plena convicção de que essa divisão promovida pela FPJudô só vem a acrescentar qualidade a esta prática e aumentar o número de adeptos. Espero que com estas mudanças mais professores passem a compreender que o kata é a essência do judô”, disse o professor da ADC Embraer.
Sidney Massayuki Fukayama é natural de Ribeirão Preto (SP), foi aluno do professor kodansha e ex-delegado regional da 12ª DR Mogiana Francisco Aguiar Garcia, que lhe ensinou os primeiros katas. Em 2005, quando já era ni-dan, mudou-se para o Vale do Paraíba para trabalhar na Embraer e passou a treinar com o notável sensei Orlando Sator Hirakawa (hachi-dan) até 2009. Posteriormente passou a treinar com os professores kodanshas Michiharo Sogabe (kyuu-dan), Antônio Roberto Coimbra (shichi-dan) e Leandro Alves Pereira (shichi-dan).
Como tori, no paulista de kata Fukayama foi campeão no kime-no-kata, tendo como uke Airam Rodrigues da Cunha. No katame-no-kata yudan masculino, ambos conquistaram a medalha de bronze. Ainda no katame-no-kata do yudan misto, ele foi bronze como uke da tori Mariá Azevedo Pereira Fukayama, sua esposa.
Campeã de nage-no-kata yudan feminino em parceria com a uke Ângela Cerqueira Sousa, ambas da Associação Namie de Judô, e campeã do katame-no-kata yudan misto com o tori Henrique Fernandes da Costa, a judoca Gabriela Fernandes da Costa parabenizou a coordenação técnica da federação paulista pela excelente novidade.
“Fazer um evento único foi uma excelente iniciativa. O kata exige grande concentração, silêncio e ausência de agitação no ginásio, quesitos que propiciam melhor performance aos atletas. Com esta importante mudança a coordenação técnica da FPJudô mostrou bom-senso e conseguiu colocar todos estes quesitos em prática.”
Sensei Leandro Alves Pereira, professor kodansha do CTK e do Fabempi de São José dos Campos, lembrou que a realização conjunta das duas competições prejudicava ambas.
“Durante 20 anos participei de competições de kata com o meu parceiro Coimbra, e conquistamos importantes títulos como o ouro no Campeonato Sul-Americano no kime-no-kata, o vice-campeonato mundial em kime-no-kata e o vice-campeonato mundial no ju-no-kata. Portanto, posso afirmar que a separação foi uma decisão extremamente correta e importante. Antes as duas competições eram muito vinculadas e, ao meu ver, isso acabava desvalorizando as duas disputas. Vimos várias duplas com 16 anos de idade sendo campeãs e isso é um indicativo muito importante. A competição de kata possui nuances e etiquetas que demandam silêncio e muita concentração, e agora temos um ambiente propício e adequado para a disputa. Quero parabenizar a federação paulista e o professor Marcos Uchida pela iniciativa.”
O bicampeão mundial de nage-no-kata Wagner Tadashi Uchida, da Associação de Judô Alto da Lapa, tori da dupla campeã de katame-no-kata yudan masculino em parceria com o uke Roger Tsuyoshi Uchida, também endossou a mudança.
“Além de manter o silêncio necessário no ginásio, a iniciativa de fazer um evento exclusivo para o kata proporciona maior visibilidade às apresentações dos atletas e ao grande trabalho realizado pelos juízes”, avaliou Uchida, lembrando ainda que este formato permite que os atletas que também competem no veteranos mantenham sua melhor forma, sem risco de se machucar no shiai antes de disputar o kata.”
Wagner Vettorazzi, professor do SERC Santa Maria, de São Caetano do Sul, aprovou a decisão da coordenação técnica da federação paulista. “Imagine chegar de manhã numa competição e saber que só irá competir à tarde, depois do evento de shiai (luta). Quem sai geralmente não respeita o kata e muitos nem sabem que vai haver outra competição. Então, no sábado, foi um silencio total no ginásio. O pessoal sabia que às 9 horas iríamos começar o evento e todos sabiam o que era preciso fazer. Todos chegaram limpos e arrumados, pois a boa apresentação e a higiene fazem parte da etiqueta da dupla. Ao meio-dia já estávamos saindo de lá. Foi mais leve e muito mais gostoso”, assinalou o professor do SERC Santa Maria.
Ele adiantou que está trabalhando com Sérgio Lex, Alessandro Puglia e Marco Aurélio Uchida para aumentar o número de competidores, pois há espaço suficiente: só quatro das seis áreas foram usadas na competição. “Em linhas gerais”, concluiu, “a iniciativa da mudança foi nota 10 para a equipe da FPJudô, para a arbitragem, para os competidores, técnicos e para os familiares. O ginásio estava limpo, leve, e o ambiente era outro, devido à frequência específica de atletas que lá estavam com o mesmo objetivo.”
Isadora Garbelini Caron, uke campeã do nage-no-kata dangai feminino junto com a tori Lívia Maria de Oliveira Margonar, ambas da Escola de Judô Giberti de Assis (SP), entende que o novo formato valoriza os judocas do kata.
“Eu vejo esta mudança como uma forma de empoderamento dos atletas que competem nesta modalidade. Além disso, é uma motivação para outros conhecerem e ingressarem nesse tipo de disputa. Esta foi minha segunda experiência e foi muito melhor e diferente que a anterior, executada ainda no formato anterior. Posso afirmar que eu e a minha parceira tivemos uma experiência muito mais rica, já que a execução de katas exige muita calma e tranquilidade. Nós adoramos ter participado nesse formato, e agora vamos juntas rumo ao brasileiro que se realiza em agosto em Joinville (SC).”
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